A história da corredora e modelo que abandonou a carreira para servir a Deus
Fábia Siqueira da Silva nasceu em fevereiro de 1985, em Campo Grande, MS. Cursou Publicidade e Propaganda no Unasp, campus Engenheiro Coelho, gosta de ler e praticar esportes. Atualmente, é secretária do Departamento de Publicações da Associação Catarinense da Igreja Adventista do Sétimo Dia, em São José, SC. Membro da Igreja Adventista do Estreito, em Florianópolis, Fábia trabalhou na agência Zoom, no Unasp, e como colportora por dois anos. Mas o que muitos hoje não sabem é que a moça foi campeã de corridas automobilísticas, sendo a única mulher na categoria, modelo e apresentadora de TV. Juntamente com o pai, Gernival, a mãe, Ione, e os irmãos, Phillip e Flávia, Fábia viveu uma experiência amarga que somente neste ano teve seu desfecho. Leia a entrevista abaixo, concedida ao jornalista Michelson Borges, para saber mais detalhes dessa história de fé, sofrimento, vitória e superação.
Fale um pouco sobre sua infância.
Quando eu tinha quatro anos de idade, meus pais abandonaram a Igreja Adventista, porém, continuei estudando no colégio adventista, o que me fazia frequentar ocasionalmente a igreja, isso até os meus 11 anos. Meu pai tinha uma das maiores revendas de veículos usados do Mato Grosso do Sul. Ele idealizou o primeiro “feirão de veículos” com transmissão em programas de rádio e televisão, o que fez a família ficar ainda mais conhecida no Estado. Sempre fui muito apegada a ele e cresci nesse universo.
Como foi seu ingresso nas corridas de automóvel e que títulos conquistou?
Entrei no automobilismo aos 16 anos. Em minha primeira corrida, conquistei o segundo lugar no pódio. A partir daí, comecei a disputar provas e campeonatos na categoria Hot Fusca (corrida na terra). Em 2003, disputei provas na categoria Fórmula Fusca, em Campo Grande, e Pick-up Racing (categoria nacional). Disputei provas no Paraná e no Rio Grande do Sul. Em 2004, Montei um fusca cor-de-rosa e deixei o cockpit do outro fusca para meu irmão. Disputamos o campeonato de 2004, juntamente com outros 15 pilotos. Na penúltima etapa, recebi o título de campeã, e na última corrida, Phillip (meu irmão) foi vice-campeão do campeonato.
Com o nome bem evidente na mídia e a experiência de vida já adquirida, recebi uma proposta para me candidatar a vereadora. Aceitei, porém, depois de uma semana de campanha nas ruas, descobri que o partido ao qual eu estava filiada estava “jogando sujo” comigo e decidi parar com a campanha.
Em 2005, encerraram-se as disputas de fusca em Campo Grande. Por conta disso, deixei o automobilismo e dividi meu trabalho entre a empresa do meu pai, a carreira de apresentadora de TV (com quadros sobre automobilismo) e apresentadora de shows de artistas famosos.
Qual foi a corrida mais marcante da sua carreira?
Em 2004, no ano em que fui campeã, participei de uma corrida muito emocionante. Larguei na frente e meu irmão largou em último, porque estava com um problema no carro. Um piloto quis me tirar da corrida logo na largada e bateu no meu carro. Na primeira curva, rodei na pista. Fiquei ali parada e todos os carros começaram a vir em minha direção. Tive a sensação de que iam bater em cheio na minha porta. Logo atrás, vinha meu irmão e temi que ele batesse em mim. Seria o fim da corrida para os dois. Assim que me viu parada, ele freou e jogou o carro de lado, parando bem do meu lado, na contramão. Olhamos bem no fundo do olho um do outro e fizemos o sinal de positivo: “Vamos acelerar.” Pisamos fundo e fomos conquistando posições. Naquela corrida, meu irmão terminou em primeiro lugar e eu, em segundo. Foi espetacular!
Como foi a experiência de correr num meio dominado por homens?
Quando entrei no automobilismo, passei a ouvir piadas como “mulher no volante, perigo constante”, que todo mundo já está com os ouvidos calejados de tanto ouvir. Mas, a partir do momento em que comecei a demonstrar meu lado profissional no automobilismo, as coisas mudaram e conquistei o respeito das pessoas. Sempre levei numa boa os gracejos. Nunca desrespeitei nenhum piloto por causa disso, pois todos ali são profissionais.
Você também atuou como modelo. Como foi isso?
Aos 13 anos, entrei em uma agência de modelos; fazia books, desfilava para algumas grifes e participava de alguns comerciais em Campo Grande. O meio artístico me chamava a atenção. Meu pai tinha um programa de rádio e de televisão voltado para a empresa, e eu atuava como repórter-mirim. Com a fama e as corridas, os convites foram mais frequentes.
Depois disso, você ainda voltou às pistas?
Em 2007, recebi uma proposta de assessoramento de uma empresa de marketing esportivo do Paraná para voltar a correr em uma categoria nacional. Pensava em ingressar na Stockcar Light, Pick-up Racing ou a Copa Clio. E, para conseguir finalizar esse projeto, fui até São Paulo, para uma reunião com o editor da revista Playboy, a fim de conseguir uma possível matéria. Essa reportagem me renderia grandes patrocinadores para o projeto. Porém, o diretor de redação disse que eu precisava voltar a correr para conseguir “soltar” a matéria. E quando eu voltasse a correr era necessário que fossem veiculadas reportagens em mídias nacionais.
Aceitei a proposta, voltei para o hotel e liguei o computador para passar o tempo. Como meu irmão e minha mãe tinham acabado de ser batizados, ele havia apagado do computador todas as músicas “mundanas” e gravou só hinos. Então, comecei a escutar os hinos da igreja mesmo. E me lembrei dos meus 10, 11 anos, de quando eu ia à igreja. As músicas e aquelas lembranças mexeram comigo e comecei a chorar. Chorei desesperadamente ali no quarto do hotel sem saber o que estava se passando. Perguntei para Deus o que Ele queria de mim e se o que eu estava fazendo era correto.
Cheguei em Campo Grande e continuei meu projeto. Consegui patrocinadores locais para comprar o kart e logo saíram as matérias nacionais que o diretor de redação pediu; inclusive uma delas foi capa do portal Terra. Até ali minha carreira estava como eu queria: decolando.
Fale sobre a crise que sua família enfrentou e sobre a decisão difícil que você teve que tomar.
A crise financeira mundial de 2008 fez com que a empresa do meu pai entrasse em dificuldades. Eu acreditava que minha carreira no automobilismo decolando seria uma das soluções para a crise na empresa. Pedi uma resposta para Deus. Estava na minha sala, ajoelhada e chorando, e clamei a Ele. A loja do meu pai estava indo à falência e eu precisava de uma resposta. E ela veio. É como se eu tivesse escutado uma voz dizendo: “Venda o kart.” Ai eu disse para Deus: “Vou anunciar meu kart; se vender, eu paro com as corridas; se não vender, eu continuo com o projeto.” Liguei para o meu preparador e disse que eu queria vender o kart. Ele usou de várias objeções para impedir. Fiquei em minha sala orando, quando, depois de 30 minutos, ele me retornou a ligação: “Está vendido. Passe à noite no kartódromo para pegar o dinheiro.”
Vendi o Kart, parei com o projeto e fui batizada em setembro de 2008. Meu pai foi rebatizado em seguida. Enfrentamos juntos toda a dificuldade financeira da loja, até novembro daquele ano, quando tivemos que encerrar as atividades.
Por que as corridas e alguns outros esportes não são compatíveis com o estilo de vida adventista?
A forma como eu estava me envolvendo nas corridas não estava certa. Como eu não tinha muitos recursos, usei outras estratégias de marketing. No automobilismo, ou você tem dinheiro para entrar, ou um bom padrinho, ou vai “na raça”; eu fui “na raça”. Os treinos também eram aos sábados. Além disso, por ser mulher e bem-sucedida nas corridas, a mídia passou a me dar muito destaque; fiquei famosa, e isso me “subiu à cabeça”. Dinheiro e fama constituem um caminho perigoso; tem que saber administrar bem isso.
Que rumo você deu à sua vida depois de abandonar a carreira no automobilismo?
O pastor da minha igreja me indicou a colportagem [venda livros religiosos, de saúde e de educação familiar] e me falou do Unasp. Em dezembro de 2008, fui colportar e, em 2009, fui para o Unasp, em Engenheiro Coelho, SP, juntamente com meu irmão. Esta foi minha boa rotina a partir dali: estudar e colportar para pagar os estudos.
Mas a vida da sua família sofreu uma reviravolta em 2010.
E que reviravolta! Com a quebra da empresa do meu pai, alguns clientes mal intencionados quiseram nos prejudicar. Em março daquele ano, o delegado de Campo Grande foi até o Unasp com um mandato de prisão para mim, alegando que eu seria uma “isca” para eles encontrarem meu pai. Já pensou nisso? Fui de Engenheiro Coelho até Campo Grande em uma viatura com o delegado, uma investigadora e um policial! Pelo menos, dentro da viatura eu falei do amor de Jesus, li O Grande Conflito, a Bíblia e pedi para o policial ouvir os hinos que eu colocava no meu iPod.
Chegando em Campo Grande, o delegado disse que estava me levando porque eu era o “xodó” do meu pai, e me informou que no mesmo instante em que fui presa, minha família também foi presa em Campo Grande. Fiquei cinco dias na cadeia. Minha irmã ficou 11 dias; meu pai12 e minha mãe 18.
Depois desse episódio constrangedor, fui colportar em Santa Catarina, em julho de 2010. Minha família foi com meu pai para uma fazenda, no interior do Estado, onde ele começou a trabalhar para nosso ex-contator.
Colportei três férias seguidas, e quando estava trabalhando, as coisas pioraram para meu pai. No mês de novembro, ele soube que a prisão dele havia sido revogada pelo Ministério Público, apesar de ele ter informado que a nova residência da família era na fazenda onde ele estava trabalhando como empregado. Quando o oficial de justiça esteve lá, o capataz ficou com medo e informou que meu pai não morava lá e que não sabia onde ele estava, o que resultou na revogação da liberdade provisória dele. Ele ficou refugiado na fazenda até que minha irmã desse à luz seu bebê. No mês de janeiro de 2011, meu pai, minha mãe e minha irmã mudaram novamente para Campo Grande. Ela deu à luz no dia 7 de janeiro. No dia 25, meu pai se apresentou para ser preso e foi encaminhado para o Centro de Triagem Anísio Lima, na Capital, onde permaneceu até o dia 19 de novembro.
Qual foi a acusação contra seu pai e contra você?
Respondemos processos por estelionato e formação de quadrilha.
Em que condições seu pai ficou preso?
No início da minha prisão, ele ficou em uma cela que media 3m x 3m, com 21 detentos, pessoas tremendamente revoltadas e dependentes de drogas. Meu pai aproveitava o banho de sol de uma hora para correr e respirar ar puro. Muitos debochavam dele, porque aproveitava todo o tempo para ler a Bíblia. Após 21 dias nessa situação, ele foi transferido para outra cela. Ali ele tinha tempo livre das 8h às 14h e começou a dar estudos bíblicos para um detento que havia tentado o suicídio. Depois, meu pai continuou o trabalho com mais 16 homens. Após realizar vários estudos bíblicos no pátio, diariamente, a direção do Centro de Triagem lhe cedeu uma sala para ele continuar ministrando os estudos bíblicos. De forma direta, meu pai levou a mensagem do evangelho para quase 40 pessoas, e de forma indireta, para toda a comunidade carcerária, já que acabou recebendo a responsabilidade de ser o capelão da cadeia.
Aquele trabalho de evangelismo resultou em algo que meu pai julgava impossível: converter para Jesus o chefão dos presos e o maior usuário de drogas dali, Valdeir Rezende. Resumindo a história: esse homem hoje ministra as aulas bíblicas em lugar do meu pai! Hoje Valdeir se prepara para ser batizado juntamente com a esposa, que o visita todos os domingos.
O que aconteceu depois, com você e sua família?
Em junho de 2011, fui chamada para trabalhar como secretária do Departamento de Publicações da Associação Catarinense da Igreja Adventista, onde estou até hoje. E para minha felicidade e da minha família, no dia 19 de novembro de 2011, tivemos a alegre notícia de que minha família e eu fomos absolvidas de todos dos 25 processos que estávamos respondendo por estelionato e formação de quadrilha.
Você experimentou a fama e a humilhação. Depois de passar por tudo isso, qual é a sua avaliação?
O mundo lá fora é muito atrativo e mascarado: festa, glamour, gente famosa, pessoas bonitas. A mídia prega isso. Hoje em dia, tem gente que paga para estar em evidência. Depois, essas pessoas vão se tornando avarentas, arrogantes e gananciosas, sem saber que fama e dinheiro não duram para sempre. É por isso que existem vários casos de famosos que, quando saem da mídia, se suicidam; é porque ficam no esquecimento. São pessoas vazias por dentro e sem esperança; não sabem de onde vieram, para onde vão, nem mesmo sabem por que vivem.
Quando perdemos tudo, ficam as experiências e as lembranças, mas temos que cuidar para não olhar muito para trás e cair. Minha mãe sofria de depressão. Depois que a loja quebrou, meu pai também começou a enfrentar esse mal. Os dois estiveram à beira da morte.
Eu estava acostumada a chegar nas melhores festas de Campo Grande, encostar meu Audi A3 e ficar na roda dos “bacanas”, bebendo meu champanhe ou uísque. Se não fosse a falência da empresa, acho que jamais meu pai e eu teríamos nos aproximado de Deus. Nossa vida era muito boa e cômoda. Mas a partir das dificuldades nos colocamos nas mãos de Cristo e procuramos aceitar toda provação, entendendo que seria importante para o nosso crescimento e transformação. Foi aí que, nas dificuldades e adversidades, criamos oportunidades para pregar esperança.
Depois de passar por tudo isso, aprendi que o mais importante é Deus e minha família. Abro mão de tudo para tê-los por perto.
Quais são seus projetos de vida atualmente?
Coloco-me todos os dias nas mãos de Deus e deixo que Ele pilote para mim. Minha família e eu nos preparamos diariamente para a volta de Jesus; queremos pregar o evangelho. A comunicação faz parte de nós, e agora vamos usá-la para Jesus. Além disso, não queremos pagar com mal o mal que nos fizeram; queremos, em nome de Jesus, poder pagar todo o prejuízo sofrido por nossos antigos clientes.
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